By Carlos Luppus
Provavelmente, este dilema
acompanha o homem desde os primórdios da civilização humana. Este tema, ser
ou ter, é tão atual, que o estamos vivenciando neste momento no chamado
mundo globalizado.
No Brasil em especial, e no
mundo de uma forma geral, vivemos uma crise econômica sem precedentes em nossa
história recente. Esta crise de certa forma está relacionada ao modelo
econômico em que estamos inseridos, baseado no contínuo crescimento de produção
e consumo.
A palavra “crise”, em grego, significa
“decisão”, “julgamento”, o que nos remete à uma reflexão de que o
momento é de convergência de pensamentos, em que se busque de forma rápida, uma
saída para este impasse social e econômico ao qual estamos mergulhados. Se faz
necessário tomar uma decisão, mesmo que o remédio seja amargo, porém de fundamental
importância para se debelar a “doença”. A saída de forma permanente para esta
crise dependerá certamente da vontade política de nossos governantes, que devem
atuar na mudança das regras da gestão pública,
do mercado financeiro e dos hábitos de consumo da população.
Desde a Revolução Industrial,
principalmente dos anos 1960, desenvolvemos uma civilização que se fundamenta
no viés mercadológico, de que progresso
é possuir mais. Os profissionais de publicidade através de técnicas
cada vez mais sofisticadas de marketing, principalmente neuromarketing, nos mais
diversos meios de comunicação, tentam nos adestrar que a felicidade é uma
conquista de posse, de propriedade. É necessário que se adquiram novos produtos e se contratem novas formas de serviço. Comprar
novos bens: carros, apartamentos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, roupas
de grife; participar de uma vida social intensa com bons restaurantes e bons
shoppings e fazer uso de serviços de turismo, como viagens em carros, aviões e
navios, traslados para hotéis e parques de diversões; demonstram de forma
inequívoca, que o modelo implantado pelo capitalismo ocidental é motivo de
cobiça por uma parte significativa da população que faz da posse, da acumulação
e da troca permanente de bens materiais, o sentido último da existência humana.
No entanto, percebe-se de forma clara e
inquestionável que este modelo de
consumo desenfreado engasgou. Não temos mais uma economia que possa gerar
riqueza de forma contínua, em que as pessoas estejam continuamente ocupadas em
postos de trabalho com salários compatíveis com os seus gastos pessoais e
familiares. Além disso, o planeta não é um reservatório indefinido de recursos
naturais a começar pela água e pelo solo.
Diante deste contexto, acredito
que esta crise possa ter um impacto positivo diante da consciência humana, que
é em última instância, a preservação da espécie como um todo.
Acredito que esta crise não é
somente econômica e social, mas também filosófica e espiritual. E aí eu
pergunto: o que faz o homem feliz? O que realmente pode trazer ao homem o
sentido da plenitude existencial? Segundo o filósofo Martin Heidegger, “a angústia é a
sensação do nada”. Este vazio existencial que acompanha a espécie
humana desde o aparecimento dos primeiros hominídeos,
é a mesma que o atormenta nos dias atuais. Durante a sua curta caminhada por
este planeta, o homem, embora detentor da mais alta tecnologia desenvolvida até
agora por uma espécie animal, não consegue responder algumas das indagações
mais emblemáticas de sua existência. De onde viemos? O que estamos fazendo aqui?
E para onde iremos?
As tradições religiosas tentaram
fornecer instrumentos que pudessem responder a essas perguntas fundamentais.
Não entanto, não prosperaram. Algumas porque se fecharam em posturas teológicas
e morais extremamente rígidas, nem sempre se comprometendo com modelos de
virtude e respeito que apregoavam,
outras por defenderem ideologias totalmente destoantes da fé em um Deus justo e
amoroso, pregando a violência e a morte como forma inquisitória medieval de
impor a sua verdade com única, suprema, divina.
Por mais que o homem estude e
desenvolva mais ciência e novas tecnologias, existem algumas indagações que o
acompanham de forma diuturna durante a sua existência.
O ser humano pode ser
feliz e viver em harmonia com os seus pares diante de uma sociedade
inteiramente construída em torno do ideal do “eu”?
Acredito que não. Ao observar os
ensinamentos atribuídos a Buda, Sócrates e Jesus, os mesmos consideram que a
verdadeira felicidade humana estará na razão direta do despojar do direito de
posse.
Para começar, entendo que o desejo
contumaz é algo pernicioso à existência humana. Normalmente, o homem
passa a sua existência focado na busca
de tudo aquilo que lhe possa trazer prazer, satisfação, sentimento de
pertencimento. Nesta busca, ele se preocupa apenas com a acumulação de bens
materiais, riqueza, poder e soberba sobre os personagens comuns da sociedade.
O desejo de posse é algo que
atinge o homem em regiões profundas do seu cérebro primitivo. Os primeiros hominídeos em suas cavernas
enfrentavam desafios gigantescos diante da sua impotência perante às forças
indomáveis da natureza. De forma concomitante, buscavam os meios necessários à
sua sobrevivência, como água e alimentos e, tentavam se proteger das condições
nefastas impostas pelos fatores climáticos da época. Em função desta realidade,
o homem começou a desenvolver a ideia de acumular... água, alimentos,
utensílios diversos, instrumentos de caça e de defesa e, de todas a formas de bens que pudessem lhe
garantir a sobrevivência por mais dias, já que naquela época era pouco provável
que o mesmo passasse da juventude.
A busca pela posse é, por natureza, insaciável, que pode despertar
frustração e violência. Este sentimento humano pode levar o indivíduo a desejar
o que não tem, mesmo que tenha que usar de meios arbitrários e violentos para
consegui-lo.
Defendo a tese de que a vida
humana deve ser contemplada em suas necessidades básicas, em que nós devemos
ter os nossos desejos mínimos saciados
como alimentar-se, vestir-se, ter um abrigo seguro para acomodarmos a nossa
família e um emprego digno e justo para vivermos decentemente com o salário
recebido. É importante ressaltar que esta vida simples que eu preconizo deve
ser acompanhada da presença viva e duradoura do Estado em que preze à
satisfação dos serviços básicos de saúde, educação, saneamento, segurança e,
politica econômica de preços e salários compatíveis com as faixas mais pobres
da população. O homem precisa abandonar de forma gradual e contínua, o
sentimento forte, dominante e ancestral aos seus tempos de caverna, em que a
ideia preponderante era de acumular bens.
Reitero a tese de que a
aproximação do homem ao seu meio natural (Homo naturae), respirando um ar mais limpo, usufruindo de um silêncio mais
qualitativo que possa lhe proporcionar condições melhores de sono e paz interior, tendo um contato mais
próximo com os agentes da natureza, como a flora e a fauna e usufruindo de uma
vida mais simples; acredito eu, que estes fatos poderão conscientizá-lo de que, talvez, a sua felicidade
esteja mais em “ser” do que de “ter”.
Ao usufruir de uma vida mais simples, o homem
poderá ter tempo para se conhecer melhor, conhecer aqueles que o cercam,
conhecer o meio ambiente em que está inserido, admirar de forma mais
contemplativa às inúmeras formas de vida que a todo o momento nos surpreende
com sua vitalidade e sagacidade diante de seus predadores naturais. Dessa
forma, penso eu, o homem poderá aprender a conviver melhor consigo mesmo,
poderá se autodescobrir, poderá fazer a viagem ao seu interior, poderá atingir
às suas entranhas existenciais, poderá domesticar os seus “diabinhos”, poderá
entender que a felicidade humana não é um momento, pelo contrário, é algo a se atingir,
é uma meta, ela está no horizonte.
Acredito que o filósofo grego Sócrates,
que viveu aproximadamente a 470 anos antes de Cristo, chegou a mesma conclusão elencada acima, ao proferir uma
frase que lhe é atribuída: “Conhece-te a ti mesmo” . Com o
amadurecimento deste pensamento, o homem será capaz de aprender a se conhecer
melhor, aprender a se controlar, aprender a respeitar o mundo que o cerca,
sobretudo, à sociedade ao qual faz parte. Deve descobrir como amar, como viver
em parceria com os outros, como administras as suas frustrações, as suas
angústias; como conquistar a serenidade, como superar os sofrimentos cotidianos
da vida; como também, preparar-se para o final da viagem humana com dignidade,
sabedoria e sensação de missão cumprida. Porque viver é um fato concreto e
inquestionável, saber viver é uma arte. Uma arte que devemos aprender com os
mestres da sabedoria, como por exemplo: Buda, Sócrates e Jesus, procurando nos
aperfeiçoar no sentido de sermos um ser humano cada vez melhor e digno da
criação de Deus.
Nota: Este artigo foi escrito por Carlos
Luppus com adaptações retiradas do livro Sócrates, Jesus e Buda, de
Frédéric Lenoir.
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