segunda-feira, 12 de setembro de 2016

SER OU TER? EIS A QUESTÃO.



By Carlos Luppus

               Provavelmente, este dilema acompanha o homem desde os primórdios da civilização humana. Este tema, ser ou ter, é tão atual, que o estamos vivenciando neste momento no chamado mundo globalizado.
               No Brasil em especial, e no mundo de uma forma geral, vivemos uma crise econômica sem precedentes em nossa história recente. Esta crise de certa forma está relacionada ao modelo econômico em que estamos inseridos, baseado no contínuo crescimento de produção e consumo.
               A palavra “crise”, em grego, significa “decisão”, “julgamento”, o que nos remete à uma reflexão de que o momento é de convergência de pensamentos, em que se busque de forma rápida, uma saída para este impasse social e econômico ao qual estamos mergulhados. Se faz necessário tomar uma decisão, mesmo que o remédio seja amargo, porém de fundamental importância para se debelar a “doença”. A saída de forma permanente para esta crise dependerá certamente da vontade política de nossos governantes, que devem atuar na mudança das regras da gestão pública,  do mercado financeiro e dos hábitos de consumo da população.
               Desde a Revolução Industrial, principalmente dos anos 1960, desenvolvemos uma civilização que se fundamenta no viés mercadológico,  de que progresso é possuir mais. Os profissionais de publicidade através de técnicas cada vez mais sofisticadas de marketing, principalmente neuromarketing, nos mais diversos meios de comunicação, tentam nos adestrar que a felicidade é uma conquista de posse, de propriedade. É necessário que se adquiram  novos produtos e se  contratem novas formas de serviço. Comprar novos bens: carros, apartamentos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, roupas de grife; participar de uma vida social intensa com bons restaurantes e bons shoppings e fazer uso de serviços de turismo, como viagens em carros, aviões e navios, traslados para hotéis e parques de diversões; demonstram de forma inequívoca, que o modelo implantado pelo capitalismo ocidental é motivo de cobiça por uma parte significativa da população que faz da posse, da acumulação e da troca permanente de bens materiais, o sentido último da existência humana. No entanto, percebe-se  de forma clara e inquestionável que este  modelo de consumo desenfreado engasgou. Não temos mais uma economia que possa gerar riqueza de forma contínua, em que as pessoas estejam continuamente ocupadas em postos de trabalho com salários compatíveis com os seus gastos pessoais e familiares. Além disso, o planeta não é um reservatório indefinido de recursos naturais a começar pela água e pelo solo.
               Diante deste contexto, acredito que esta crise possa ter um impacto positivo diante da consciência humana, que é em última instância, a preservação da espécie como um todo.
               Acredito que esta crise não é somente econômica e social, mas também filosófica e espiritual. E aí eu pergunto: o que faz o homem feliz? O que realmente pode trazer ao homem o sentido da plenitude existencial? Segundo o filósofo Martin Heidegger, “a angústia é a sensação do nada”. Este vazio existencial que acompanha a espécie humana desde o aparecimento dos primeiros hominídeos, é a mesma que o atormenta nos dias atuais. Durante a sua curta caminhada por este planeta, o homem, embora detentor da mais alta tecnologia desenvolvida até agora por uma espécie animal, não consegue responder algumas das indagações mais emblemáticas de sua existência. De onde viemos? O que estamos fazendo aqui? E para onde iremos?
               As tradições religiosas tentaram fornecer instrumentos que pudessem responder a essas perguntas fundamentais. Não entanto, não prosperaram. Algumas porque se fecharam em posturas teológicas e morais extremamente rígidas, nem sempre se comprometendo com modelos de virtude e respeito que  apregoavam, outras por defenderem ideologias totalmente destoantes da fé em um Deus justo e amoroso, pregando a violência e a morte como forma inquisitória medieval de impor a sua verdade com única, suprema, divina.
               Por mais que o homem estude e desenvolva mais ciência e novas tecnologias, existem algumas indagações que o acompanham de forma diuturna durante a sua existência.
O ser humano pode ser feliz e viver em harmonia com os seus pares diante de uma sociedade inteiramente construída em torno do ideal do “eu”?
               Acredito que não. Ao observar os ensinamentos atribuídos a Buda, Sócrates e Jesus, os mesmos consideram que a verdadeira felicidade humana estará na razão direta do despojar do direito de posse.
                Para começar, entendo que o desejo contumaz é algo pernicioso à existência humana. Normalmente, o homem passa a sua  existência focado na busca de tudo aquilo que lhe possa trazer prazer, satisfação, sentimento de pertencimento. Nesta busca, ele se preocupa apenas com a acumulação de bens materiais, riqueza, poder e soberba sobre os personagens comuns da sociedade.
                O desejo de posse é algo que atinge o homem em regiões profundas do seu cérebro primitivo.  Os primeiros hominídeos em suas cavernas enfrentavam desafios gigantescos diante da sua impotência perante às forças indomáveis da natureza. De forma concomitante, buscavam os meios necessários à sua sobrevivência, como água e alimentos e, tentavam se proteger das condições nefastas impostas pelos fatores climáticos da época. Em função desta realidade, o homem começou a desenvolver a ideia de acumular... água, alimentos, utensílios diversos, instrumentos de caça e de defesa e,  de todas a formas de bens que pudessem lhe garantir a sobrevivência por mais dias, já que naquela época era pouco provável que o mesmo passasse da juventude.
                A busca pela posse é, por natureza, insaciável, que pode despertar frustração e violência. Este sentimento humano pode levar o indivíduo a desejar o que não tem, mesmo que tenha que usar de meios arbitrários e violentos para consegui-lo.
               Defendo a tese de que a vida humana deve ser contemplada em suas necessidades básicas, em que nós devemos ter os nossos desejos  mínimos saciados como alimentar-se, vestir-se, ter um abrigo seguro para acomodarmos a nossa família e um emprego digno e justo para vivermos decentemente com o salário recebido. É importante ressaltar que esta vida simples que eu preconizo deve ser acompanhada da presença viva e duradoura do Estado em que preze à satisfação dos serviços básicos de saúde, educação, saneamento, segurança e, politica econômica de preços e salários compatíveis com as faixas mais pobres da população. O homem precisa abandonar de forma gradual e contínua, o sentimento forte, dominante e ancestral aos seus tempos de caverna, em que a ideia preponderante era de acumular bens.
               Reitero a tese de que a aproximação do homem ao seu meio natural (Homo naturae), respirando um ar mais limpo, usufruindo de um silêncio mais qualitativo que possa lhe proporcionar condições melhores  de sono e paz interior, tendo um contato mais próximo com os agentes da natureza, como a flora e a fauna e usufruindo de uma vida mais simples; acredito eu, que estes fatos poderão conscientizá-lo de que, talvez, a sua felicidade esteja mais em “ser” do que de “ter”.
                Ao usufruir de uma vida mais simples, o homem poderá ter tempo para se conhecer melhor, conhecer aqueles que o cercam, conhecer o meio ambiente em que está inserido, admirar de forma mais contemplativa às inúmeras formas de vida que a todo o momento nos surpreende com sua vitalidade e sagacidade diante de seus predadores naturais. Dessa forma, penso eu, o homem poderá aprender a conviver melhor consigo mesmo, poderá se autodescobrir, poderá fazer a viagem ao seu interior, poderá atingir às suas entranhas existenciais, poderá domesticar os seus “diabinhos”, poderá entender que a felicidade humana não é um momento, pelo contrário, é algo a se atingir, é uma meta, ela está no horizonte.
                Acredito que o filósofo grego Sócrates, que viveu aproximadamente a 470 anos antes de Cristo, chegou a mesma  conclusão elencada acima, ao proferir uma frase que lhe é atribuída: “Conhece-te a ti mesmo” . Com o amadurecimento deste pensamento, o homem será capaz de aprender a se conhecer melhor, aprender a se controlar, aprender a respeitar o mundo que o cerca, sobretudo, à sociedade ao qual faz parte. Deve descobrir como amar, como viver em parceria com os outros, como administras as suas frustrações, as suas angústias; como conquistar a serenidade, como superar os sofrimentos cotidianos da vida; como também, preparar-se para o final da viagem humana com dignidade, sabedoria e sensação de missão cumprida. Porque viver é um fato concreto e inquestionável, saber viver é uma arte. Uma arte que devemos aprender com os mestres da sabedoria, como por exemplo: Buda, Sócrates e Jesus, procurando nos aperfeiçoar no sentido de sermos um ser humano cada vez melhor e digno da criação de Deus.


Nota: Este artigo foi escrito por Carlos Luppus com adaptações retiradas do livro Sócrates, Jesus e Buda, de Frédéric Lenoir.




              
              




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